Associamos a paixão e o amor ao coração e todo o merchandising à volta do tema aponta nesse sentido. Acontece que a coisa não é bem assim e há vários investigadores empenhados em explicar-nos como funciona, afinal, o amor — a sua origem e biologia. E se ainda não há certezas suficientes para grandes conclusões, não há espaço para dúvidas sobre, pelo menos, duas coisas: o amor é (mesmo) química e nós queremos saber mais sobre ele!
Coração versus cérebro
Quando vemos alguém que nos atrai ou por quem estamos apaixonados, as reações podem ser muitas e muito diferentes. Há aqueles que encravam e que não conseguem formular uma única frase, os que sentem o coração a saltar o peito, os que transpiram das mãos, os que coram e até os que ficam como se nada fosse... Por outro lado, quando estamos numa relação com alguém, também há diferentes fases e diferentes tipos de reações e sentimentos . Há o encantamento e a euforia dos primeiros tempos, as borboletas no estômago... Depois vem o apego e a fase em que, como se costuma dizer, acaba a paixão e começa realmente o amor.
Gostamos de nos agarrar à ideia romântica de que "o coração tem razões que a própria razão desconhece", de pensar que tudo isto parte dele, porque é o símbolo do amor. Mas não é nada disso que se passa. Todas as nossas reações têm uma explicação lógica, são comandadas pelo cérebro e provocadas por diferentes hormonas.
Amor a dividir por três
Segundo uma equipa de investigadores da Universidade de Rutgers, em Nova Jersey, nos Estados Unidos, o amor romântico está dividido em três: a luxúria, a atração e o apego. Ainda que todos se possam sobrepor em alguns momentos, cada um deles tem associado um set de hormonas diferente, responsável por várias reações.
Tipo 1: a luxúria
A luxúria está intimamente relacionada com o desejo sexual e com a reprodução. Afinal, é aquele que nos permite continuar a existir enquanto espécie. O set hormonal deste tipo de amor é composto por duas hormonas sexuais: a testosterona e o estrogénio, produzidas nos testículos e nos ovários, com um papel fulcral na líbido. Apesar da testosterona ser, supostamente, mais intensa, a verdade é que é quando o estrogénio está mais elevado nas pessoas com útero, na fase da ovulação, que a líbido tende a aumentar mais.
Tipo 2: a atração
Tendemos a achar que a luxúria e a atração andam de mãos dadas, mas pode dar-se o caso de não estarem minimamente relacionados. É que a ação da atração passa-se toda no cérebro e está relacionada com comportamentos de recompensa. O seu set hormonal é composto por dopamina, norepinefrina (ou noradrenalina) e serotonina.
A dopamina liberta-se quando fazemos algo que nos dá prazer. Passar tempo com alguém de quem gostamos ou ter uma relação sexual com essa pessoa.
A norepinefrina, por sua vez, provoca um efeito de euforia que pode levar à perda de sono e do apetite — é uma hormona muito importante em momentos de maior stress porque nos mantém em estado de alerta. É por causa dela que, na fase da atração, às vezes não conseguimos dormir ou comer. Afinal, estamos em estado de alerta.
A serotonina, mais conhecida como"hormona da felicidade" tem implicações ao nível do humor e do apetite e, a sua produção e libertação parece ser reduzida durante a atração.
Alguns estudos relacionam a diminuição da produção da serotonina na atração com a paixão avalassadora, às vezes doentia, que se sente nos primeiros tempos de uma relação, uma vez que também nas pessoas com quadros de POC, há uma baixa produção desta hormona. É por todas estas razões que os primeiros meses de um relacionamento podem ser tão intensos e extenuantes.
Tipo 3: o apego
O apego é o tipo de amor "mais fofinho" — vamos chamar-lhe assim. É o rei dos relacionamentos longos, e bate à porta depois da luxúria e da atração. Mas não é algo que se sinta apenas nas relações amorosas... Também nos sentimos apegados aos amigos e à família. O seu set hormonal é composto pela oxitocina (a hormona do amor) e a vasopressina.
Tal como acontece com a dopamina, a oxitocina é libertada em grandes quantidades durante o sexo, mas não só — também durante o parto e na amamentação. Para além disso, está presente e desempenha um importante papel nas relações de amizade e familiares. O que une todas estas experiências é serem acontecimentos que vinculam, porque é precisamente disso que se trata nesta categoria de amor. O apego é vinculação.
Tudo o que é demais enjoa...
O amor não é só coisas boas e tem muito que se lhe diga. Há sentimentos mais negativos que se metem entre nós e as pessoas de quem gostamos sem ninguem os ter chamado: o ciúme, a raiva e até alguns comportamentos que, à distância, nos parecem só irracionais e sem qualquer explicação lógica. É que as hormonas são incríveis, sim, mas principalmente em doses moderadas.
A ação negativa da dopamina e da oxitocina
Se, como já vimos, temos picos de dopamina em atividades que nos dão prazer, então isso acontece não só com o sexo... As regiões cerebrais sensíveis à atração são as mesmas sensíveis ao consumo de alcóol, drogas e açucares em excesso. Todos estes são, como sabemos, vícios.
Quer isto dizer que a atração pode ser viciar? Sim! Viciamo-nos nas pessoas que nos atraem, queremos a companhia delas a toda a hora. Isto passa para um plano negativo quando o desejo da companhia se transforma em dependência emocional.
Mas a oxitocina também tem culpas no cartório. No caso de algumas drogas, vários estudos têm demonstrado que pode ser ela a responsável pelos efeitos de bem-estar produzidos que, por sua vez, podem levar as pessoas a um estado de dissociação e potenciar comportamentos agressivos Ora, o que já sabemos sobre a produção desta hormona leva-nos a crer que pode ser ela a estar por detrás de alguns comportamentos irracionais que temos quando estamos apaixonados. Atos mais impulsivos, de raiva e até ódio que são movidos a oxitocina.
De resto, como já vimos, os seus níveis aumentam de acordo com o afeto que temos por alguém e vincula-nos a essa pessoa. No início de um relacionamento, é normal que a oxitocina esteja em alta. À medida que o tempo passa, o apego vai aumentando, esta hormona continua a ser libertada e faz-nos gostar ainda mais das pessoas, num ciclo quase sem fim.
O ego e o egoísmo do amor
Quanto mais apegados estamos, com mais medo de perder ficamos. Sabemos que se perdermos, vamos sofrer muito. A partir de certo momento, queremos as pessoas na nossa vida porque precisamos delas para sermos felizes. Podemos afirmar, no extremo, que o apego é um tipo de amor egoísta e egóico e não assim tão genuíno. Quando estamos apegados a alguém, queremo-lo na nossa vida para que estejamos felizes. É tudo sobre nós enquanto indíviduos com um ego e com desejos, é tudo sobre a realização dos mesmos. O amor genuíno, por sua vez, é sobre o outro. Amamo-lo e queremos a sua felicidade quer estejamos, ou não, incluídos nos planos.
No final de contas, quando falamos de amor, falamos de de pura contradição. O amor tem a capacidade de trazer à tona o melhor e o pior de nós. É que as hormonas que libertamos ao sentir desejo, atração e apego, são as mesmas que nos atraiçoam quando o amor nos falta. São as mesmas que nos fazem agir de forma irracional, impulsiva e agressiva. Ainda assim, não nos preocupemos, porque não há espaço para dúvidas...O amor é bom, o mau é a falta dele e a forma como reagimos à mesma. Impõe-se apenas uma questão...quando falamos de um coraçao partido, não estaremos a falar, sim, de um ego ferido?
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